Christian Gurtner

27 de fev de 20213 min

Será que temos, mesmo, o livre arbítrio?

Dentre tudo que se junta para tentar dar sentido à vida, à sociedade e até mesmo à religião, o livre arbítrio talvez seja um dos pilares da resposta. Mas, e se...

O livre-arbítrio não existe?

Numa experiência realizada nos anos 80, o fisiologista Benjamin Libet demonstrou que o cérebro de uma pessoa mostra atividade elétrica antes de, por exemplo, ela mexer a mão. Na verdade, o que acontece é que, antes mesmo de a pessoa tomar, conscientemente, a decisão de mover a mão, seu cérebro já havia tomado essa decisão, fazendo com que nossa consciência, ou aquilo que pensamos ser o momento que tomamos uma decisão, nada mais é do que uma testemunha de uma decisão que já tinha sido tomada pelo subconsciente.

Vários outros experimentos posteriores mostraram o mesmo fenômeno.

A neurociência, principal responsável por colocar o livre arbítrio em cheque, prega que, se tivéssemos tecnologia o suficiente para mapear a estrutura e química do cérebro de um indivíduo, poderíamos acertar com 100 por cento de precisão qual seria a reação desse indivíduo a qualquer estímulo.

Mas o subconsciente é parte da mente da pessoa, não caracteriza isso uma forma de tomada de decisão livre? De acordo com vários estudiosos, não.

O neurocientista Sam Harris, autor do livro Free Will, conclui que o subconsciente de cada um nada mais é do que o resultado de seus genes e o ambiente no qual foi inserido e criado. Assim, qualquer decisão nossa será uma reação que foi moldada por esses fatores, os quais também estão fora de nosso controle. Não podemos escolher nossos genes nem nosso ambiente de criação.

E assim, nossas experiências no mundo são causadas ou por fatores externos ou por reações baseadas em nossos genes e ambiente, fazendo com que essas experiências também sejam fatores externos. E é por meio de nossas experiências que vamos construindo nossa vida. Ou seja, não houve nenhuma decisão particularmente nossa, e sim uma reação baseada em como nosso cérebro foi programado por outras pessoas/fatores.

Isso coloca no limbo estruturas básicas de nossa sociedade. O sistema penal, por exemplo: quem comete um crime o está fazendo por que tomou a decisão de cometer ou porque teve o azar de ter nascido com aqueles genes e ser criado naquele ambiente?

Numa sociedade de robôs que se dividem entre sortudos e azarentos - e nada mais - como podemos conviver conscientemente com isso? Vamos parar, sentar e só assistir? Vamos nos iludir que estamos tomando nossas decisões?

Se estivéssemos certos de que não temos livre arbítrio, é bem provável que todo nosso conceito de moral cairia abaixo, já que qualquer ação sua, na verdade, foi causada por um mecanismo que já estava em andamento muito antes de você nascer. É como uma pessoa culpar o seu signo por ser uma megera insensível.

O fato é que, como demonstrado em outros experimentos, acreditar no livre arbítrio impede as pessoas de cometerem atos imorais, como trapacear e roubar, deixando também as pessoas mais caridosas. E é essa ilusão que nos sustenta em sociedade.

Mas Sam Harris defende seu ponto e afirma que, aceitando que não temos o livre arbítrio propriamente dito, podemos aprofundar nossos estudos sobre o cérebro humano e, entendendo por completo seu funcionamento, será fácil evitar que as pessoas, por exemplo, desenvolvam tendências criminosas ou fanáticas desde o nascimento.

Mas o outro lado da história, que, por falar em história, já é tão antigo quanto nossas primeiras perguntas existenciais, mantém-se nessa eterna guerra entre livre-arbítrio e o determinismo.

Determinismo vs Livre-Arbítrio

O determinismo é o princípio de que tudo no universo está interligado e que tudo, inclusive o comportamento e as ações humanas, são predeterminados e sujeitos a regras imutáveis, sendo a sensação de liberdade pura ilusão.

Medonho, não? Mas é praticamente isso que experimentos como os já citados buscam provar.

A questão é que o determinismo parece ser completamente oposto ao livre-arbítrio. Mas, e se pudéssemos unir ambos?

Compatibilismo

Defendido por grandes filósofos como Thomas Hobbes, John Locke, David Hume, Arthur Schopenhauer e John Stuart Mill, o compatibilismo afirma que somos livres e determinados. Ou seja, não há conflito significante entre as duas filosofias.

O Princípio das Possibilidades Alternativas de Peter Van Inwagen defende o compatibilismo, afirmando que mesmo que ações sejam predeterminadas, podemos agir de maneira diferente por termos várias possiblidades, e a nossa escolha dependerá de nossa ação.

Você ter lido esse texto até aqui foi algo predeterminado, uma livre escolha ou ambos?

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