A Velha Acrópole
Como uma seita pode se fantasiar de escola filosófica usando a roupagem clássica das antigas escolas filosóficas.
Em Atenas, encontra-se a mais famosa Acrópole da Grécia Antiga. Lá, estão as ruínas do Propileu, do Partenon e de outros templos, sendo um dos pontos mais visitados do planeta por amantes da história.
Atenas foi o centro do berço da nossa civilização. Os gregos moldaram e influenciaram o mundo ocidental de forma tão poderosa que até mesmo seus conquistadores, os romanos, absorveram sua cultura.
A filosofia ocidental também se desenvolveu lá. Grandes nomes que se eternizaram e fundaram o pensamento dessa parte do mundo estão ligados a Atenas, como Sócrates, Platão e Aristóteles. A majestosa Acrópole já estava lá antes deles.
Apesar de ser a mais famosa, a Acrópole de Atenas não era a única. O nome vem do grego Akros (alto) e Polis (cidade). E era exatamente isso: uma cidadela construída em uma parte elevada da região, funcionando como centro administrativo, religioso e, ao mesmo tempo, fortificada contra invasões.
A Acrópole de Atenas foi — e é — o símbolo da grandiosidade cultural e filosófica de uma civilização.
Talvez por isso, o nome tenha sido escolhido para uma organização internacional de “educação filosófica” (o motivo das aspas exponho mais à frente): Nova Acrópole.
I.
Fundada em 1957 por Jorge Ángel Livraga Rizzi (argentino naturalizado italiano), a organização tinha como intuito promover e ensinar a filosofia e se firmou na crença de uma filosofia universal, que seria a base para todas as outras filosofias e religiões.
Aqui no Brasil, a Nova Acrópole se tornou famosa com a publicidade gerada por sua “garota senhora-propaganda”, conhecida como Prof. Lúcia Helena Galvão.
A “professora” nunca me cativou, até porque ela me remete às minhas antigas professoras de escola, desde o tom de voz até o jeito de dar “aula”. Mas essa foi minha primeira — e única — impressão, portanto, não tenho nenhuma outra opinião sobre ela. No entanto, como ela aparece constantemente em resultados de busca, feeds etc., o nome da organização estava sempre junto e, esse sim, me “cativou”. O nome Nova Acrópole me remeteu a todo o misto de sensações que a Acrópole de Atenas traz como símbolo. Então, como era a época da pandemia e as programações estavam escassas, “fui dar uma olhada”, e lá estava o anúncio do “Curso de Filosofia” por um preço praticamente simbólico. Me matriculei.
O curso era basicamente uma introdução à filosofia e, também, à Nova Acrópole. A grade era bem interessante, mas o curso em si, não.
Os instrutores do curso não me pareceram professores de filosofia e/ou história, mas sim membros da organização que foram treinados para isso. Menções constantes à “Prof. Lúcia Helena”, tanto pelos instrutores quanto pelos outros alunos, me causaram estranhamento, já que ela não é uma filósofa, propriamente dita, mas, mesmo assim, era chamada por adjetivos que me causaram um segundo estranhamento, como se eu estivesse em uma espécie de seita.
O terceiro sinal de alerta veio da veneração constante a Elena Petrovna Blavatsky (não exatamente no curso, mas pela organização, que estava constantemente promovendo palestras e até uma peça de teatro biográfica sobre ela).
Blavatsky foi a principal sintetizadora da Teosofia, que são doutrinas, em poucas palavras, esotéricas. A própria Elena era um ser quase “místico”. Tinha supostos poderes paranormais e logo se formou um círculo ao seu redor.
Não continuei o curso e, desapontado pela falsa fachada, e perdi o interesse pela organização depois da terceira aula. O nome que facilmente atrai aqueles em busca de conhecimento e filosofia era, a meu ver, apenas um chamariz para mais uma seita esotérica.
II.
Anos depois, me chega, aqui no Substack, um link para o
, com textos que explicitam um suposto “por trás dos bastidores” da Nova Acrópole e a mostram como uma pesada seita esotérica. Fiquei surpreso? Não. Só não imaginava que o buraco fosse tão fundo.No entanto, vale ressaltar que não há um autor identificado nessas publicações e que cabe ao leitor tirar as próprias conclusões. Algumas postagens, mais concretas, são facilmente identificadas como fato, como a que explica por que a Nova Acrópole não é uma escola filosófica. Mas há também os textos assustadores, como o que conta Como realmente funciona a Nova Acrópole, que possui, além do texto principal, comentários de quem viveu um pouco por ali (esses, sim, com seus devidos autores).
Assim como explicado em um desses textos, uma escola filosófica se caracteriza pelo pensamento crítico e livre, pela investigação e diversidade. O oposto do que podemos sentir já no primeiro contato com a organização.
Apesar dos pesares, a Nova Acrópole promove muitos eventos e voluntariado de caridade, o que me faz ressaltar que sempre devemos estar prevenidos contra golpes e falsas fachadas, mas também não nos deixar levar facilmente por possíveis teorias da conspiração ou exageros. Se tiver interesse, vá lá e tire suas próprias conclusões, mas esteja avisado da possibilidade de estar ingressando em uma seita.
Já eu, volto aos meus bastiões da velha Acrópole, lendo as obras e a sabedoria deixadas pelos filósofos do passado e também dos contemporâneos, como Byung-Chul Han, citado em um episódio do Hall.