A questão estética envolvida na ausência da complexidade — por vezes confundida como intrínseca ou necessária — torna-se o candelabro no empreendimento metafísico no qual expedições mentais buscam sanar as questões primordiais de um argumento hipertranscendente. Encontra-se presente na indagação, sem qualquer espaço para uma argumentação contrária à premissa, a conclusão.
Sim. A beleza encontra-se na simplicidade.
Mas por que escrever assim (como o parágrafo de abertura)? Por que deixar confuso o leitor ou o aprendiz com neologismos, expressões com definições particulares, linguajar completamente alheio ao leitor comum e um exagerado detalhismo?
Esse é todo o problema: não estamos na mesma época dos grandes pensadores. Não somos o público original dos grandes pensadores e não fomos preparados para os grandes pensadores.
É por isso que hoje é muito difícil acompanhar as obras de filósofos como Kant. Sim, sei de pessoas que, ao ingressar em estudos acadêmicos sobre ele, tiveram insônia, agonia e uma chegou a acordar de madrugada aos prantos.
Se é o seu caso, saiba: você não está só.
I Kant understand
Procure no Google, ou onde quiser, “não entendo Kant”. Você encontrará incontáveis textos sobre a complexidade de Kant (e de outros filósofos que tentam nos trazer a filosofia prática, mas que viveram em outra época).
É lugar-comum passar maus bocados com Immanuel Kant.
A questão é criar uma metodologia para começar a entendê-lo (e a qualquer outro filósofo).
1. Eles são a continuação
Todo filósofo parte de uma premissa. Seja para acatá-la ou para contrariá-la. Usando essas premissas, eles constroem o seu próprio pensamento, tornando-se a premissa para os próximos pensadores. O próprio Kant é uma das premissas para o Idealismo Alemão e o existencialismo. Portanto, para entender um filósofo, é preciso, primeiro, entender quem ele critica, reforça e, até mesmo, despreza. Ele não começou do zero, e você, se começar diretamente com suas obras, vai pegar o bonde andando.
2. Eles criam expressões
Idealismo transcendental, fenômeno, númeno, juízo analítico, juízo sintético, imperativo categórico, autonomia da vontade, juízo estético desinteressado…
Todas essas expressões e palavras foram criadas ou ressignificadas por Kant, o que exige um “dicionário” para entender o que ele quer dizer. Não é porque você lê uma palavra conhecida que entenderá o que ele quis dizer com ela. É preciso se preparar para essa confusão.
3. Eles usam a linguagem do mundo deles
Cada filósofo viveu numa época e lugar completamente diferente dos que vivemos hoje. Enquanto hoje temos os escritores que tentam atingir o máximo de pessoas possível, os pensadores precisavam abraçar toda a complexidade linguística para expor seu pensamento (e, muitas vezes, ir além, como disse na questão anterior). Some isso ao mundo em que viviam, com um possível grande analfabetismo e um foco acadêmico de uma época onde se lia e escrevia de forma mais formal (podemos ver isso até mesmo naqueles irônicos e sarcásticos como Voltaire, cuja linguagem, por vezes mais “popular”, ainda é mais complexa do que a usada popularmente hoje), e é possível entender a leitura mais “pesada”. A questão do detalhismo também é importante para mostrar o caminho do pensamento, expor as possíveis contradições que já foram superadas e as bifurcações e escolhas que levaram à — aparentemente simples — conclusão de “A beleza está na simplicidade” (como o pobre exemplo ilustrativo que abriu este texto).
4. Você está à mercê dos tradutores
Naquela época pré-internet, todos os grandes pensadores, estudiosos, escritores e pesquisadores aprendiam um determinado idioma para ter acesso às obras de suas premissas (note que já me apossei da palavra “premissa” com meu próprio ressignificado). Se quero estudar Goethe, aprenderei alemão. Se quero ter acesso a Sócrates, aprenderei grego. Hoje o mundo parece não nos dar a paz e tempo para aprendermos um idioma unicamente para estudarmos os pensadores em cujos ombros estamos subindo (nanos gigantum humeris insidentes) e, assim, ficamos com os tradutores profissionais ou os acadêmicos que puderam dedicar sua vida a isso, e eles erram ou simplesmente diferem. É aí que o debate e a vida acadêmica entram com sua importância comparativa e experimental. E você vai se perder aí também.
5. Você não está só
Eu não entendo Kant; seu vizinho não entende Kant; os seus colegas não entendem Kant; seus mestres, por mais que já tenham adentrado nesse mundo, também não entendem Kant. Ninguém jamais entenderá Kant por completo, mas, enquanto a pesquisa pelas ideias dele estiver trazendo riquezas intelectuais (independentemente da interpretação), ele será uma mina a ser explorada.
É por isso que o debate, os estudos, os seminários, os congressos e os novos pensadores sobre a premissa (de novo) continuam existindo e, cada vez mais, enriquecendo o conhecimento sobre nós mesmos e sobre aqueles que estamos tentando compreender para que nós — ou os que vierem depois de nós — cheguemos mais próximos da verdade.
Seja Kant, seja o cosmos, não pare de estudar.
I just Kant 🤣