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  • Foto do escritorChristian Gurtner

A futilidade e a ignorância criam celebridades grotescas

Atualizado: 5 de dez. de 2020

“A massa nunca se eleva ao padrão do seu melhor membro; pelo contrário, degrada-se ao nível do pior.”

Essa frase é creditada a Henry David Thoreau e eu nunca me canso de utilizá-la. Isso porque ela se aplica a tudo que envolve o povo, desde política e ideologia até ao reconhecimento do talento, sobre o qual iremos prosseguir.


Antes de efetivamente iniciar este texto, vamos assistir à esse pobre coitado que, assim como vários outros, tentou ganhar algumas moedas tocando seu violino em uma estação de metrô:



O vídeo é acelerado — mas o áudio não (apesar de parecer) — para mostrar que das mais de mil pessoas que passaram por ele, somente meia dúzia pararam por alguns segundos para ouvir um pouco e depois seguiram seu caminho deixando algumas moedas ou uma nota. Ele saiu de lá com $32.


Ele não se importou por não ter ganhado muito dinheiro, pois isso não é um problema para ele, afinal, dois dias antes, ele havia lotado o Boston’s Stately Symphony Hall onde ingressos eram vendidos por $100 cada.

Sim, esse homem tocando mal vestido numa estação de metrô de Washington — e que ninguém deu muita bola — era ninguém menos que Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo. Ali ele tocou 4 das mais difíceis peças que existem, incluindo Chaconne, de Bach, em seu violino que foi construído em 1713 por Antonio Stradivari e hoje avaliado em $3.500.000,00 (três milhões e meio de dólares). No vídeo não podemos apreciar a execução pois o áudio “espião” é muito ruim mas, no final, uma pessoa o reconhece, pois esteve recentemente em uma de suas apresentações.

 

Esse foi um experimento realizado pelo Washington Post (WEINGARTEN, G. Pearls Before Breakfast. Disponível aqui.) e o resultado deixou grandes mestres da música de boca aberta, como o artigo mostra ao transcrever uma pequena entrevista com Leonard Slatkin, diretor musical da National Symphony Orchestra, em que foi perguntado o que ele achava que aconteceria se, hipoteticamente, um dos grandes violinistas da atualidade fizesse, incógnito, uma performance de 40 minutos na rua e que passariam 1000 pessoas por ele.


Slatkin: Vamos presumir que ele não seja reconhecido e que se passe por um músico de rua. Mesmo assim, se ele for realmente muito bom, não acredito que passe despercebido. Na Europa, com certeza teria uma platéia maior… mas aqui, das 1000 pessoas que passassem por ele, creio que 35 ou 40 reconheceriam a qualidade por si só, e de 75 a 100 parariam para ouvir.
Repórter: Então uma multidão se reuniria?
Slatkin: Oh, sim!
Repórter: E quanto acha que ele ganharia?
Slatkin: Aproximadamente $150
Repórter: Obrigado, Maestro. Acontece que isso não é hipotético. Realmente aconteceu.
Slatkin: Como assim?
Repórter: Já te conto em um minuto.
Slatkin: Bem, quem foi o músico?
Repórter: Joshua Bell
Slatkin: NÃO!!! 


O que isso, talvez, mostra? Que as pessoas pagam com tempo e dinheiro para estar em uma fina casa de ópera mais do que para ouvir a performance em si? Isso seria o mesmo que pagar caro para ir a um restaurante por causa do ambiente e não por causa da comida — mas é isso que acontece.


Abaixo, uma performance de Joshua Bell, o mesmo do metrô que ninguém quis dar muita atenção.



É óbvio que pagamos por ambos — ambiente e comida. Mas no caso da música, e da arte em geral, a maioria das pessoas estão a pagar mais pelo ambiente, pelo que lhes foi jogado como bom, pelo que está na lista de mais vendidos, pelo que está na vitrine, do que pelo artista em si.


Aqui começa o não reconhecimento do talento das pessoas. A imagem, a “moda”, a influência dos que estão em nossa volta acabam moldando na massa o que é bom e o que é ruim. E principalmente em quem estarão os holofotes, a fama, o dinheiro e o principal: o “reconhecimento”.


Joshua Bell, após a experiência, disse:

“Eu estava me sentindo estranho… as pessoas estavam, na verdade… me ignorando”

Ele foi ignorado assim como muitas outras pessoas com talento e dedicação excepcionais também são ignoradas diariamente nas ruas, nos pequenos teatros, nas prateleiras de pequenas livrarias, justamente porque a massa não os fez brilhar sob os holofotes, enquanto diversos outros que não tem talento sequer para cantar em churrascarias estão sendo reconhecidos como mestres da música, como celebridades importantes e ganhando muito dinheiro com todo o excremento que insistem em chamar de música, de arte e de “importante” forma de expressão.


É como essa pequena orquestra de câmara:



Entre os músicos do vídeo acima e o afamado Justin Bieber, qual você acha que precisou de mais talento, estudo e vocação para executar sua obra (sim, vamos supor que o que Bieber canta é “obra”)? Mesmo assim, o adolescente possui mais “reconhecimento”, fama e dinheiro do que os músicos acima.


Ninguém é obrigado a gostar de qualquer gênero musical. A questão aqui não é gosto e sim talento, vocação e riqueza cultural. Por isso pode ser até um pouco estranho comparar Justin Bieber ou Britney Spears (outra que não consegue nem cantar direito e faz sucesso) com música clássica. Portanto para ilustrar a questão do talento, coloquemos no páreo alguém do mesmo gênero que os dois, porém com verdadeiro talento e vocação e que mereceu o sucesso:



Michael Jackson foi uma figura controversa, esquisita até. Mas de talento inegável. Voz, coreografia, linguagem corporal e muita originalidade se somavam para seu sucesso. Coisa que Britney Spears e Justin Bieber tentam (em vão pela falta de talento). Cito Bieber e Spears como exemplo, mas são muitos outros também. É claro que não estou dizendo que eles não possuem nenhum talento, e sim que o reconhecimento que eles têm é infinitamente desproporcional à sua vocação e ao seu talento em si.


É possível citar exemplos de todos os gêneros musicais, gostando ou não do mesmo, de artistas capazes de criar obras magníficas. Hip hop/rap? Claro:



Esses são exemplos daqueles que foram merecidamente reconhecidos, e ainda podemos citar vários outros como Queen, David Bowie, até mesmo Cher — que assim como o gênero hip hop, não sou muito fã, mas reconheço quando existe uma obra prima ali, o que, de certa forma, me faz até gostar.


No entanto o que vemos cada vez mais nos dias de hoje são músicos ruins ganharem o brilho da fama. Enquanto Biebers e Britneys lotam shows em qualquer lugar do mundo, com playbacks e autotunes, pessoas como essa estão incógnitas nas ruas ganhando merrecas:


É claro que ele não é um “Joshua Bell” do violão, mas definitvamente é um músico muito melhor que bastante gente que está nas rádios. Mas os incógnitos hoje contam com a internet, que acaba levando seu trabalho para o mundo e, dependendo de como ele “viralizar”, pode ter a chance de ser reconhecido no showbiz (pena que para isso nem precisa ser bom ou ter talento, não foi assim com Bieber?)


Se está fazendo sucesso, é porque uma massa os “declarou” merecedores e a indústria aproveitou para lucrar com isso. Muitas vezes nem é por opinião própria e sim porque foram inundados com aquilo. Festas, rádio, amigos com mal gosto e etc. É por isso que muitas pessoas no showbiz dizem que para se obter o sucesso, o talento é secundário. É preciso ter cara de pau e muita sorte (nem cito o Brasil nesse artigo para não gerar revolta, pois o caso na Republiqueta das Bananas chega a deprimir).

 

No entanto, um caso de sucesso foi o projeto Playing for change, que inicialmente foi compilado com vários músicos de rua — com participações especiais de famosos — executando a mesma música — cada um com seu instrumento e/ou voz, formando, assim, uma banda cujos integrantes tocavam de lugares diferentes. Eles tiveram seu trabalho reconhecido e, posteriormente, se encontraram e viajaram o mundo em turnê divulgado seu trabalho e o projeto filantrópico que se tornou o Playing for Change. E é claro que os aplausos nesse caso não vão só para os artistas, mas também para os idealizadores do projeto.



Gosto de pensar que as mesmas pessoas que passavam na rua sem dar muita atenção à esses artistas, hoje pagam caro para vê-los no palco.

 

O experimento do Washington Post com Joshua Bell deu um tapa na cara dos “apreciadores” de música. Mostrou o que já é de senso comum da massa: “se fosse bom não seria de graça”. Poucos são capazes de simplesmente reconhecer uma grande performance se a mesma não estiver envolta a ingressos caros, palcos grandes ou luzes e efeitos. Um “espetáculo” é o que as pessoas precisam para se impressionar. Assim como foi o viral que um banco espanhol promoveu nas ruas, que, apesar de gratuito contou com toda a pompa de uma apresentação de gala:


Mas espera um pouco. No vídeo acima antes mesmo do “espetáculo” começar já tinha uma pequena multidão apreciando o que estava sendo tocado. Vários fatores podem ter contribuído: o primeiro músico estava vestido de gala, o que certamente já impressionou os que estavam na praça; a presença de câmeras pode ter ajudado a multidão a pensar que algo iria acontecer ali; a música que estava sendo tocada é de conhecimento geral; e o principal: ali, como mencionado pelo Maestro Slatkin, é a Europa. Certamente os europeus tem uma tendência maior a apreciar música clássica e valorizar artistas.


Mas além de tudo isso, algo mais colaborou: o inusitado. As pessoas gostam e se sentem atraídas pelo inusitado quando é algo bom. Uma orquestra surgindo do nada, no meio da praça, com uma música conhecida e tão aclamada?


Talvez seja a internet e a vastidão de conteúdo que nos é arremessado diariamente. As pessoas podem ouvir e ver as melhores orquestras do mundo em HD pela tela do computador. É possível até acompanhar apresentações ao vivo. Muitos são massacrados por ordens obscuras sobre o que ouvir, o que é bom, o que é engraçado e o que é sucesso. As pessoas fingem ter bom gosto, fingem conhecer e entender o talento alheio, enquanto pagam centenas de reais para ir ao show de pessoas famosas e adoradas, porém medíocres. Talvez tudo isso deixa o pobre Joshua Bell a mercê do azar com seu violino de 3 milhões e meio de dólares do lado de uma lixeira de uma estação de metrô como qualquer outro.


O talento, o estudo e a vocação não importam mais.


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