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  • Foto do escritorChristian Gurtner

A Peste Negra

Atualizado: 14 de nov. de 2021


A história da peste que dizimou o planeta e aterrorizou a humanidade.

 

FICHA TÉCNICA

Pesquisa, roteiro e produção: Christian Gurtner

 

PATRONOS

Esse episódio foi possível graças ao apoio de Silvia Mitsu D’ Avola, Felipe Soares, Etel Sverdlov, Allan Queiroz, Miguel estevão santos correa, Samuel Gausmann, Vitor Enio Dellagiustina dos Santos, Marcos Vinícius Silva, José Vitor Hisse Cabral, Bruna Serafim, Fernando Miyashiro, Eduardo Werner, Sheyla Regina Torres Neves, ROBERTO NISHITANI, Igor Jerônimo de Moura, Marcelo Brandao do Carmo, Vaner Teixeira, Nugnezi Nugnezi e Marcelo Paolucci

 

Médico da peste com sua peculiar vestimenta

LINKS CITADOS

 

TRILHA SONORA

  1. A trilha sonora estará disponível em algumas horas

 

BIBLIOGRAFIA

Bramanti, Barbara, et al. “The Third Plague Pandemic in Europe.” Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, vol. 286, no. 1901, 17 Apr. 2019, p. 20182429, 10.1098/rspb.2018.2429. Accessed 16 Aug. 2019.

Cartwright, Mark. “Black Death.” Ancient History Encyclopedia, Ancient History Encyclopedia, 20 June 2018, www.ancient.eu/Black_Death/. Accessed 24 Mar. 2020.

Horgan, John. “Justinian’s Plague (541-542 CE).” Ancient History Encyclopedia, Ancient History Encyclopedia, 26 Dec. 2014, www.ancient.eu/article/782/justinians-plague-541-542-ce/. Accessed 23 Mar. 2020.

“Lecture 4.” Uci.Edu, 2020, faculty.humanities.uci.edu/bjbecker/PlaguesandPeople/lecture4.html. Accessed 24 Mar. 2020.

Lidiane Aires. “Como a Peste Bubônica Se Espalhou Pela Europa?” Aventuras Na História, Aventuras na História, 18 Mar. 2020, aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-como-peste-bubonica-se-espalhou-pela-europa.phtml. Accessed 23 Mar. 2020.

Roos, Dave. “How 5 of History’s Worst Pandemics Finally Ended.” HISTORY, 17 Mar. 2020, www.history.com/news/pandemics-end-plague-cholera-black-death-smallpox. Accessed 23 Mar. 2020.

“Two of History’s Deadliest Plagues Were Linked, With Implications for Another Outbreak.” Nationalgeographic.Com, 31 Jan. 2014, www.nationalgeographic.com/news/2014/1/140129-justinian-plague-black-death-bacteria-bubonic-pandemic/. Accessed 23 Mar. 2020.

Danse Macabre, alegoria que surgiu durante a peste negra e personificou a morte

TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO

(As transcrições dos episódios são publicadas diretamente do roteiro, sem revisão, podendo haver ainda erros ortográficos/gramaticais e, assim, pedimos que marquem os erros e deixem uma nota para que possamos corrigí-los)


Ver transcrição completa do episódio


ATO I Império Romano, ano 285

Roma começava a se afundar no caos. O imperador Diocleciano, tentando organizar o enorme território, divide o império em dois, o ocidental, sediado em Roma e o oriental que teria a capital em Constantinopla. Em 476 o império ocidental cai nas mãos dos Bárbaros. Era o fim do maior império que o mundo já tinha visto. Mas o império oriental sobreviveu. E 50 anos depois o imperador Justiniano decide que é hora de reconquistar dos bárbaros todo o império ocidental, restaurando a antiga glória romana. A campanha começou em 527 e colocou toda a Europa em guerra No entanto, um exército diferente começara sua marcha para mudar o destino de todo o continente. Saindo do Egito e subindo o oriente médio até chegar a Constantinopla, uma avassaladora peste começou a matar milhares de pessoas diariamente. A grande movimentação das tropas de Justiniano acabou espalhando mais rapidamente aquilo que começaram a achar ser um castigo divino. Muitos acusavam a imperatriz Teodora de ser a culpada pelas chagas que começaram a subjugar o império. O próprio justiniano contraiu a doença, mas sobreviveu para ver suas tropas serem derrubadas pela peste, que ficou conhecida como Praga de Justiniano. Em batalhas contra os Bizantinos, os persas também começaram a sofrer com a peste, sendo obrigados a assinar um tratado de paz. Não só contra os Persas Justiniano foi obrigado a parar de lutar. Seus planos de reconquistar Roma e todo o império ocidental também tiveram que ser cancelados, já que a falta de soldados começava a gerar derrota atrás de derrota.

A peste era terrível para as vítimas. Conhecida hoje como Peste Bubônica, é causada por uma bactéria transmitida pelas pulgas de ratos. A bacteria ataca os nódulos linfáticos nas axilas, virília e pescoço, causando enormes bolhas de pus. Os membros ficam necrosados, vômitos com sangue e alucinações também são sintomas comuns, deixando as vítimas com uma aparência aterradora e, na maioria dos casos, matava a vítima em uma semana.

Menos de meio século depois a Praga de Justiniano, considerada a primeira pandemia da história, havia matado metade da população de Constantinopla e nos dois séculos que perdurou, matou, dependendo da fonte, entre 25 a 60 milhões de pessoas, o que representava na época, quase metadade da população mundial.

ATO II Sicília, Itália, ano de 1347

Doze galés genovesas atracam em Messina. Porém, os habitantes se depararam com uma cena bizarra. A maioria dos marinheiros estava morta com o corpo todo postulento e, aqueles que ainda estavam vivos, se mostravam muito doentes. Enquanto a população mandava que aqueles homens fossem embora, desembarcam alguns ratos pretos, da espécie Rattus Rattus. Esses ratos, naturalmente domesticados, vivem muito próximos dos seres humanos para se alimentar, e naquela época, estavam presentes em barcos, casas e ruas. Onde houvesse humanos, era bem provável que esses ratos estariam juntos. Mas os ratos que chegaram nas galés genovesas, traziam consigo um outro passageiro em seus pelos: pulgas. E essas pulgas, em especial, estavam infectadas com uma bactéria que mudaria, novamente, o destino da humanidade. Assim que os ratos começaram a passear pelas ruas de Messina, começaram a passar suas pulgas para outros ratos, que voltavam para as casas que habitavam, onde as pulgas, acabavam mordendo humanos. E mordiam também outros ratos que infectavam suas pulgas que passavam para outros ratos num rápido contágio por toda a cidade. Ao morder os humanos, as pulgas passavam a bacteria, que logo se deslocava até os gânglios linfáticos. Uma semana depois os sintomas começaram a aparecer nas vítimas. Febre, inchaços com pus, dedos necrosados e alucinações. Havia tempo que chegavam rumores e histórias macabras de maldições e pragas que estavam devastando o oriente. E de fato, novamente a epidemia surgia na China mas, para muitos, a Europa estava a salvo… até que a peste bateu em suas portas. Desesperados com a rapidez com que a doença se espalhava por Messina e os terríveis sintomas, muitos fugiram para outras cidades, levando, sem saber, a doença com eles. O que na peste do Império Bizantino havia demorado anos para se espalhar, na Europa foi questão de semanas. Quando chegou em Florença, em menos de quatro meses mais da metade da cidade pereceu sob a peste, que continuava avançando. O problema é que a Europa do século XIV era um lugar muito diferente do Mediterrâneo de Justiniano. O número de pessoas na terra havia aumentado muito e a densidade demográfica em vários pontos do continente era enorme. Enquanto esse cenário propício ao ataque de vírus e bactérias se formava, a ciência ainda estava longe de entender e combater esses microorganismos. E com as rotas comerciais movimentadas e interligando todas as cidades, até as aldeias mais isoladas, a logística para uma pandemia de proporções bíblicas estava instituída.

Navios repletos de ratos infectados levavam a peste para outras nações e a Europa rapidamente se encontrou em um cenário de devastação. Poucos meses após atacar a Itália, a peste domina a Espanha e a França e, em 1349 a Inglaterra já havia sido conquistada pelo exército de micróbios assassinos. A Europa estava caindo nação após nação. E no que Napoleão e Hitler, futuramente, falhariam, a Peste Negra venceu: em 1353 Moscou é arrasada pela doença.

A medicina da época era precária e ainda contava com muito elementos místicos, como a crença de que o mal cheiro das infecções, ou os miasmas, eram uma das causas da transmissão. Assim, uma roupa especial foi criada na tentativa de isolar o médico do ar externo e do contato com os doentes. A longa roupa de couro era embebida com banha para tentar impermeabilizar a vestimenta, a mascara possuía olhos de vidro e um longo bico, que tinha dois furos na ponta para o médico poder respirar e, então o ar passava por ervas e outros elementos para filtrar o mau cheiro. Além da roupa preta, os médicos usavam um chapéu típico para identifica-los como médicos e uma vareta, que usavam para examinar doentes sem tocá-los ou para afastar pessoas mais eufóricas pelas ruas. No final, o trabalho deles era mais social do que biológico.

Com os médicos se mostrando de pouca ou nenhuma ajuda para conter a peste, as pessoas simplesmente não entendiam o que estava acontecendo, afinal, o conceito de organismos invisíveis aos olhos que eram capazes de entrar no corpo humano e causar efeitos benéficos ou terríveis, só existia na religião com seus Espíritos Santos ou demônios. Muitos acreditavam que aquilo era um evento paranormal. Principalmente porque pouco tempo antes de estourar a pandemia, um cometa havia passado pelos céus, fazendo as pessoas interpretarem aquilo como um sinal, já que um cometa era algo tão incompreendido quanto uma bactéria naquela época. As pessoas buscavam uma resposta para o porquê Deus as estar punindo daquela forma tão indiscriminada. A culpa era jogada nos pecadores e hereges, incentivando perseguição a grupos, principalmente, pra variar, aos Judeus, que começaram a ser mortos aos montes por hordas enfurecidas.

Ao fim do surto, em 1453, depois de quatro anos, a Europa havia perdido o que a Praga de Justiniano tinha demorado quase dois séculos para matar. Mais de 30 milhões de pessoas morreram.

ATO III China, 1850

Um rápido surto toma conta da cidade. Antes que pudessem perceber o que os atacava, milhares de pessoas morrem e, com o mundo mais conectado do que nunca, não demora para que surtos explodam em Hong Kong e outras grandes cidades portuárias, o que, com a grande movimentação de navios que cruzavam os oceanos, os ratos com pulgas infectadas foram levados para todas as partes do mundo, inclusive para o Brasil. Com o passar dos anos, aproximadamente vinte milhões de pessoas já tinham perecido com essa terceira explosão da peste. Contudo, no século XIX o mundo era um lugar muito mais populoso do que a Europa na Idade Média e, assim, mesmo morrendo quase a mesma quantidade de pessoas que na Peste Negra, a porcentagem de mortes estava bem menor, o que significava que as coisas ainda poderiam piorar muito mais, resultando numa pandemia com números fatais assustadores. Mas não foi o que aconteceu. Outra coisa também tinha evoluído na sociedade: a ciência. E esse terceiro ato foi crucial para que a doença fosse finalmente observada e estudada empiricamente. Os pesquisadores descobriram que as pulgas dos ratos eram os vetores de transmissão da doença e rapidamente ligaram os ratos pretos ao grande alcance das pandemias, já que os mesmos infestavam os navios mercantes. Em 1894 o bacteriologista Alexandre Yersin isola a bacteria repsonsável pela peste, recebendo o nome Yersinia pestis em referência ao cientista. Essas descobertas levaram ao desenvolvimento de de inseticidas, antibióticos e, futuramente, vacinas. Essa terceira pandemia perdurou oficialmente até 1960, quando o número de mortes por ano baixou para 200. Era o fim da trágica ópera que, por quase dois milênios, arrasou a humanidade.

A peste negra foi uma das mais mortais pandemias da história, e mudou a sociedade Europeia para sempre, e, em alguns aspectos, para melhor. O enorme sofrimento das vítimas e o sentimento de piedade dos seres humanos fez a caridade crescer como nunca. A sociedade havia sido desestruturada, pequenos centros urbanos esvaziados e o muitas terras se tornaram improdutivas por falta de mão de obra. Aqueles em condições de trabalhar ou eram especializados, podiam, agora cobrar salários. Os serviços e produtos ficaram mais caros e os trabalhadores ganharam mais voz. Até mesmo as mulheres receberam alguns direitos antes inimagináveis. As exigências por menores impostos e mais direitos acabaram por desencadear protestos. O povo não conseguiu, na época, muito do que exigia, mas o velho sistema feudal chegou ao fim.

A peste nunca sumiu de fato. Pequenos surtos sempre aconteceram por toda a história, até que, condições propícias estouravam pandemias. Ainda hoje casos acontecem por todos mundo. No entanto, com tratamenos eficientes, o número de mortes não chegam perto de serem expressivas. No Brasil, o último caso registrado foi em 2005.

Senhoras e Senhores, muito obrigado pela audiência. Um agradecimento especial aos patronos e assinantes do Escriba Cafe que fazem o Escriba Cafe possível. Torne-se um assinante premium do Escriba Cafe e tenha acesso a conteúdo exclusivo e apoie esse projeto. Acesse escribacafe.com para mais informações e também para deixar seu comentário sobre esse episódio.

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A todos que me ouvem, meu muito obrigado, um grande abraço e fiquem em paz.

Em 1353 Giovanni Bocaccio termina sua obra Decameron. Influenciada pela peste que acabara de abrandar, várias passagens da obra nos dão uma visão de testemunha, como no trecho a seguir…

“Não se tratava apenas de um cidadão evitar outro, e de pessoas quase sempre negligenciando seus vizinhos e raramente ou nunca visitando seus parentes, abordando-os apenas à distância; esse flagelo havia implantado um terror tão grande no coração de homens e mulheres que os irmãos abandonaram os irmãos, tios seus sobrinhos, irmãs, seus irmãos e, em muitos casos, esposas abandonaram seus maridos. Pior ainda, e quase incrível, foi o fato de pais e mães se recusarem a cuidar dos próprios filhos, como se não lhes pertencessem”

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