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  • Foto do escritorChristian Gurtner

O Conde de Saint-Germain

Atualizado: 3 de dez. de 2020



Quem foi o misterioso homem que passeou pelas cortes europeias com histórias impossíveis e conseguiu até influenciar o Rei da França?

 

Possivelmente único retrato do Conde de Saint-Germain

FICHA TÉCNICA

Pesquisa, roteiro e produção: Christian Gurtner

 

Esse episódio foi possível graças ao apoio dos patronos e assinantes premium do Escriba Cafe

 

Madame de Pompadour

LINKS CITADOS

 

TRILHA SONORA

A trilha sonora desse episódio foi elaborada através do Epidemic Sound

 

BIBLIOGRAFIA

Casanova, Giacomo. “The Memoirs of Jacques Casanova de Seingalt 1725-1798, Complete.” Gutenberg.Org, 2016, www.gutenberg.org/files/2981/2981-h/2981-h.htm. Accessed 16 June 2020.

“Collections Online | British Museum.” Britishmuseum.Org, British Museum, 2020, www.britishmuseum.org/collection/term/BIOG163301. Accessed 28 May 2020.

Comte de Saint-Germain | French Adventurer.” Encyclopædia Britannica, 2020, www.britannica.com/biography/comte-de-Saint-Germain. Accessed 28 May 2020.

Isabel Cooper-Oakley. The Comte de St. Germain : The Secret of Kings : A Monography. Milano, 1912.

Spangenburg, R, and D Moser. The Rise of Reason: 1700-1799. Facts On File, Incorporated, 2009.

Wagner, Stephen. “Saint-Germain: The Immortal Count.” LiveAbout, LiveAbout, 20 Apr. 2009, www.liveabout.com/saint-germain-the-immortal-count-2594421. Accessed 28 May 2020.

Walpole, Horace. “Letters of Horace Walpole.” Fullbooks.Com, 2020, www.fullbooks.com/Letters-of-Horace-Walpole2.html. Accessed 10 June 2020.‌

 

TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO

(As transcrições dos episódios são publicadas diretamente do roteiro, sem revisão, podendo haver ainda erros ortográficos/gramaticais e, assim, pedimos que marquem os erros e deixem uma nota para que possamos corrigí-los)


Ler transcrição completa do episódio


No século XVIII, viveu na Europa um curioso homem conhecido por Conde de Saint-Germain.

Com um passado obscuro, um grande talento artístico e um conhecimento louvável sobre vários assuntos, muitas histórias eram contadas a seu respeito, e acabou por ficar conhecido na corte Francesa e virar assunto nas conversas das festas.

Dentre todas as histórias fantásticas contadas por ele mesmo, dizia ter um grande conhecimento em alquimia e descoberto como transformar qualquer metal em ouro – e também como derreter diamantes.

Mas ele ficou mais conhecido foi por outra coisa: com o passar das décadas várias pessoas diziam ter se encontrado com ele, sem perceber qualquer mudança de envelhecimento em sua fisionomia. Esses relatos continuam até os dias hoje reforçando uma crença:

O Conde de Saint-Germain seria imortal.

Era o ano de 1760.

Paris estava movimentada. Pessoas e carruagens se misturavam pelas ruas. E as fofocas também.

Chega aos ouvidos da Condessa de Georgy que um curioso visitante havia chegado a casa da Madame de Pompadour, cortesã do Rei Luis XV.

A condessa ficou bastante curiosa quanto foi informada de que o visitante era um tal Conde de Saint-Germain.

Ela havia conhecido um Conde de Saint-Germain em Veneza, muitos anos antes e estava ansiosa para rever tão interessante figura. Mas ao encontrá-lo, algo parecia errado: ele estava exatamente igual ao Conde de décadas atrás.

Ela perguntou se por acaso ele seria filho do homem que conhecera em Veneza. Ele respondera que não, pois ele mesmo estava em Veneza e fora ele mesmo que a cortejara naquela época.

A Condessa disse ser impossível, pois o Conde de Saint-Germain que ela conheceu tantos anos atrás, aparentava ter quarenta e poucos anos. E o Conde que ali estava não tinha envelhecido nada.

“Madame”, disse ele, “eu sou muito velho”

Essa anedota era uma das várias histórias e casos contados jocosamente na corte e nas festas na Europa do século XVIII, criando a fama de um homem que, até hoje, muitos acreditam ser imortal.

Mas quem era esse homem?

Do seu verdadeiro nome e de onde veio, pouco se sabe. A versão mais contada é a de que era um judeu português nascido aproximadamente em 1700.

O primeiro registro do Conde de Saint-Germain foi em uma carta escrita pelo renomado político e autor britânico Horace Walpole, em 1745, em que contou que o Conde estava em Londres, e que havia sido preso por espionagem, porém solto em seguida. Walpole escreveu:

“[…] outro dia eles apreenderam um homem estranho, que se chama Conde St. Germain. Ele esteve aqui nesses dois anos e não diz quem ele é ou de onde veio, mas afirma que não usa o nome verdadeiro. Ele canta, toca violino maravilhosamente, compõe, mas é louco e não muito sensato. Ele já foi chamado de italiano, espanhol, polonês; alguém que se casou com alguém de grande fortuna no México e fugiu com suas jóias para Constantinopla; um padre, um violinista, um vasto nobre. O príncipe de Gales teve grande curiosidade sobre ele, mas em vão. No entanto, nada foi feito contra ele: ele foi libertado; estou convencido de que ele não é um cavalheiro.

Em 1748 ele aparece na corte francesa.

Com seus dons e capacidade de persuasão, ele logo começa a exercer grande influência. É convidado para festas, onde se gaba de seu conhecimento – principalmente em alquimia – e mostra seu talento no violino. Algumas de suas composições são executadas até hoje, como essa:

Mas nem todos se deixavam levar pelo Conde de passado obscuro. Muitos duvidavam de seus títulos nobiliárquicos e das histórias que contava. Algumas dessas histórias ele usava para atrair mulheres: para as jovens e ingênuas moças da corte ou criadas, ele dizia ter o elixir da juventude eterna.

Uma das mulheres que se impressionaram com esse elixir, foi a Madame de Pompadour, cortesã do Rei Luís XV, a qual acabou falando sobre o conde para o monarca, que lhe deu um laboratório para colocar em prática seus supostos conhecimentos em alquimia. Além disso o Conde de St. Germain fora enviado pelo rei em algumas missões secretas pela Europa.

Numa dessas ele conhece o famoso libertino Giácomo Casanova. Casanova cita St. Germain várias vezes em sua autobiografia, como nos trechos a seguir.

“O jantar mais agradável que tive foi com Madame de Gergi, que convidou o famoso aventureiro conhecido pelo nome de Conde de St. Germain. Esse indivíduo, em vez de comer, falou do início até o fim do jantar. Pode-se dizer com segurança que, como conversador, ele era inigualável. Ele era estudioso, linguista, músico, químico, bonito e um perfeito mulherengo. Ele dava as mulheres alguns cosméticos que ele dizia que iriam preservar a beleza delas, e que era muito caro produzir, mas que ele as presenteava com prazer. Assim ele conseguiu obter o favor de Madame de Pompadour, que havia falado sobre ele para o rei, para quem ele criaria um laboratório, no qual o monarca – um mártir do tédio – poderia encontrar um pouco de prazer ou distração. O rei lhe dera um conjunto de salas em Chambord e cem mil francos para a construção do laboratório, e segundo St. Germain, os corantes descobertos pelo laboratório do rei teriam uma influência materialmente benéfica na qualidade dos tecidos franceses. Esse homem extraordinário, destinado por natureza a ser o rei dos impostores e charlatães, dizia de maneira fácil e segura que ele tinha trezentos anos, que conhecia o segredo da Medicina Universal, que possuía um domínio sobre a natureza, que ele poderia derreter diamantes, dizendo-se capaz de transformar dez ou doze pequenos diamantes em um grande e dos melhores. Tudo isso, ele disse, era uma mera ninharia para ele. Apesar de suas mentiras descaradas e suas múltiplas excentricidades, não posso dizer que o achei ofensivo.

Apesar de saber exatamente o que ele era, eu o considerava um homem surpreendente, pois ele sempre estava me surpreendendo. St. Germain costumava jantar com a alta sociedade, mas nunca comia nada, dizendo que se mantinha vivo através de uma comida misteriosa conhecida apenas por ele. Logo nos acostumamos com suas excentricidades, mas não com seu maravilhoso fluxo de palavras que o tornava o centro das atenções em qualquer lugar que estivesse. […]

[Em certa ocasião] St. Germain chegou e, como sempre, sentou-se, não para comer, mas para conversar. Com um rosto imperturbável, ele contou as histórias mais incríveis, nas quais era preciso fingir acreditar, já que sempre era o herói da história ou uma testemunha ocular do evento. Mesmo assim, não pude deixar de rir quando ele nos contou algo que aconteceu enquanto jantava com os Padres do Consílio de Trento.

O rei estava tão iludido por esse grande impostor quanto a Madame de Pompadour, pois um dia ele mostrou ao Duc des Deux-Ponts um diamante da primeira água, pesando doze quilates, que ele imaginou ter feito. “Derreti”, disse Luís XV “Pequenos diamantes pesando 24 quilates e obtive este grande com doze”. Assim, aconteceu que o monarca impressionado deu ao impostor a suíte anteriormente ocupada pelo marechal Saxe. O duque de Deux-Ponts me contou essa história com seus próprios lábios, uma noite, quando eu jantava com ele e um sueco em Metz.”

Por volta de 1760, o Conde de Saint-Germain chegou a interferir em uma disputa entre a França e a Áustria, o que causou grande hostilidade por parte de um nobre francês envolvido na disputa. O conde teve que sair da França. Em 1762 ele aparece na Rússia, onde parece ter se envolvido na conspiração para Colocar Catarina II no trono. Pouco tempo depois ele vai para a Alemanha, onde se encontra com o famoso charlatão Conde de Cagliostro. Os dois pseudo-condes convivem por um tempo, o que rendeu alguns registros sobre Saint-Germain nas memórias de Cagliostro, que afirmou que fora iniciado na Maçonaria por Saint-Germain, e que esse era o fundador da sociedade secreta.

Com o passar dos anos, Saint-Germain continuou viajando e vez ou outra aparecia em alguma corte, onde já não fazia tanto sucesso. Talvez por terem encontrado outra forma de distração ou, simplesmente pelas histórias do pseudo Conde já não surpreenderem mais, os membros da alta sociedade iam perdendo o interesse naquela figura.

Ele foi visto pela última vez em Schleswig, na Alemanha, onde tinha caído nas graças do príncipe Karl Von Hesse, para o qual prometeu ensinar e pesquisar junto as ciências secretas. O príncipe hospedou Saint-Germain em Schleswig-Holstein, onde o falso Conde provavelmente passou os seus últimos dias, morrendo em 1784.

O homem havia morrido, mas suas histórias não. Anedotas e piadas vez ou outra eram contadas em festas e jantares, ironizando os supostos poderes que o Conde de Saint-Germain dizia ter.

Algo curioso, porém, acontece. Com o passar do tempo, começa a surgir histórias de que Saint-Germain, com a mesma aparência, é visto em diversos locais da Europa, muitas vezes, usando outros nomes.

A história fica mais intrigante ainda, quando, mesmo já passado tempo o suficiente para que qualquer ser humano tenha morrido de velhice, os casos de encontros ou avistamentos continuam.

Em suas memórias, Albert Vandam narra um encontro que teve em 1820 com um estranho homem que ele disse ser igual ao Conde de Saint-Germain. Ele escreveu:

“Ele dizia se chamar Major Fraser, morava sozinho e nunca fazia alusão à sua família. Além disso, ele possuia muito dinheiro, embora a fonte de sua fortuna permanecesse um mistério para todos. Ele possuía um conhecimento maravilhoso sobre todos os países da Europa em toda sua história. Sua memória era absolutamente incrível e, curiosamente, ele muitas vezes dizia que havia adquirido seu aprendizado em outro lugar que não em livros. Muitas vezes ele me disse, com um sorriso estranho, que tinha certeza de que conhecia Nero, falara com Dante e assim por diante.”

Nunca mais se ouviu falar do Major Fraser.

Esse tipo de relato continua surgindo até os dias de hoje.

Seria esse homem realmente imortal?

Pouco provável.

O Conde de Saint-Germain tinha virado um personagem de anedotas na corte e em seguida um ou outro relato de estranhos encontros com o conde que não envelhecia, sem registro ou testemunhas, acabou criando uma lenda urbana.

E como todas as lendas urbanas, a imaginação popular fez as histórias aumentarem. Além disso, a fama de imortal do Conde de Saint-Germain ganhou muito mais peso quando seitas e grupos esotéricos passaram a usar essas lendas urbanas como verdade em seus ensinamentos, transformando o carismático charlatão em um ser divino ou entidade dotada de poderes sobrenaturais.

Há relatos inclusive, que ele vive até hoje, e está morando em uma cidade Holandesa. Porém, não é verdade.

Como eu sei que não é verdade? Bem, eu nunca moraria na Ho.. Digo, o Conde Saint-Germain, não moraria da Holanda.

Pesquisar sobre a história do Conde de Saint-Germain hoje é um pouco complicado, já que seitas, grupos e crentes usaram sua imagem e nome para criar uma entidade de suas próprias crenças e geraram um enorme empilhado de material místico, fictício ou distorcido sobre a história do Conde, para, assim, poderem encaixá-lo em suas superstições. Achar material histórico em meio a tudo isso foi uma grande mineração. Porém vários achados foram interessantes, como cartas, memórias e outros registros de pessoas que realmente tiveram contato com o pseudo-conde. E foi nesses documentos que esse episódio foi baseado.

O Conde de Saint-Germain, ao que tudo indica, foi um homem muito talentoso, porém foi também um charlatão e, dizem, mulherengo, tendo desvirginado algumas donzelas com suas histórias e carisma.

Seu encontro com o Conde de Cagliostro também é um evento interessante de se observar, já que a história e modus operandi de ambos pseudo-condes são muito parecidos.

Ambos perambulavam pelas cortes e alta sociedade Europeia com suas histórias fantásticas. Ambos empurravam a ideia de que tinham conhecimentos incríveis sobre alquimia e distribuíam para pessoas-chave seus elixires mágicos. Muitos diziam, inclusive, que Saint-Germain havia desoberto o segredo da Pedra Filosofal, o santo graal de todos os alquimistas. E assim os rumores se espalhavam e eles não faziam questão de desmentí-los, já que viviam deles. Os seguidores e admiradores que eles faziam pelo caminho, acreditavam que eles tinham séculos de idade. Há, inclusive, uma anedota contada nas cortes sobre isso: dizem que perguntaram ao valet de Saint-Germain se era verdade que o conde de 700 anos de idade. O valet responde que não sabia dizer, já que estava com o conde só há 200 anos.

O fato é que sempre existiram charlatões em todos as épocas, alguns talentosos, porém, entraram para a história.

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