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  • Foto do escritorChristian Gurtner

O verdadeiro sorriso não será postado

Atualizado: 5 de dez. de 2020

Qual o seu Whatsapp? Me fizeram essa pergunta outro dia, nem me lembro quem. “Meu número de telefone, você diz?” — respondi. Coisa parecida já vi quando um diz para o outro “Me adiciona lá no Face(book)/Instagram”.


Estamos na era das redes sociais. Na era da solidão individual — mesmo estando nós, humanos, beirando a superlotação nesse planeta.


Vivemos sempre necessitando de afirmação e reconhecimento. E assim vemos as famosas selfies em academias, cujo objetivo é um pedido quase desesperado de mensagens de apreciação… simplesmente chamar a atenção com músculos e bundas, mas que são pobremente disfarçadas de mensagem de motivação “foco no treino”, “no pain no gain“; vemos as fotos de pratos de comida, de cenários montados para exibir um fim de tarde perfeito com um bom vinho e um livro de algum escritor russo o qual, talvez, o autor da foto nunca leu e nunca vai ler.


E criando falsos cenários, estamos entristecendo as pessoas do outro lado da tela, que estavam tão tristes e solitárias como nós e que, agora, lamentam ver que todos os demais estão vivendo vidas perfeitas, com corpos sarados, namorado(a)s lindos e gentis e fins de tarde perfeitos.


É tudo falso. É tudo mentira.


Vejam que legal a área de trabalho na qual escrevo esse texto:

O problema é que esse é um cenário “baseado” em fatos reais. Foi montado para passar uma imagem mais bonita do que realmente é. Vejam a foto que tirei antes de “montar” esse cenário e que mostra as coisas como realmente estavam:

Vejam que zona. Percebam que até uma raquete para assassinar o maldito mosquito que me incomoda há mais de meia hora está ali. E esse tanto de cabos tirando a harmonia? E onde está o pires da xícara de café? E o Moleskine (figura já carimbada de fotos de “áreas de trabalho”)?

Essa é a ilustração perfeita para praticamente todos os posts e selfies das redes sociais.

 

As fotos de redes sociais têm que mostrar a vida perfeita que o autor leva. A não ser que seja para contar um caso engraçado ou passar lições de moral, ninguém quer mostrar o mosquito que tanto estraga o momento, o fedor que estava na praia daquela foto de “curtindo as férias num lugar paradisíaco” (e muito menos as dívidas criadas para pagar a viagem); ninguém quer mostrar a frieira, a estria, a celulite…

“Olha a prancha nova que ganhei de natal.”

“Olha a prancha nova que ganhei de natal.” — baseado em posts reais.

E assim comecei a ver as redes como uma espécie de zoológico. Podemos entrar e observar os animais exóticos que ali habitam tristes, solitários, amargurados… mas dentro de um “cenário” criado para fazer as crianças pensarem que estão felizes.


Foi pensando nisso que resolvi fazer um experimento usando o Facebook.


O Experimento Claude

“Claude” era o nome do personagem que inventei para criar um perfil falso no Facebook para testar o comportamento das pessoas diante de variadas situações e ações.


A primeira coisa a fazer era dar um nome, uma foto e criar uma vida perfeita para o Bon Vivant Claude. A foto de um atraente, porém não muito famoso ator italiano, foi usada. Universidades como Harvard faziam parte do currículo de nosso caro milionário. Falta agora alguns amigos para deixar o perfil mais real. Pedi que alguns conhecidos aceitassem o pedido de amizade de Claude (explicando do que se tratava) e voilá, estava criado o perfil.


Para finalizar, criei alguns posts de “vida perfeita”, como viagens a lugares maravilhosos num jatinho particular, porém em tom de “isso pra mim é normal”, para dar vida a timeline do Claude.


Diga-me com quem andas

A primeira parte do experimento era ver quantas pessoas aceitariam o convite de um estranho só porque esse estranho era também amigo de “fulano”. Assim convidei vários amigos dos conhecidos que já tinham adicionado Claude. Como controle, procurei e adicionei a mesma quantidade de estranhos (sem amigos em comum).

O resultado foi interessante: 60% dos amigos em comum aceitaram o convite de amizade vs 30% dos estranhos.


Além disso, de TODOS os 100 que convidei no total, somente dois entraram em contato diretamente com Claude. Um para saber quem ele era e outra para demonstrar indignação sobre perfis falsos e etc (ela primeiro questionou o amigo em comum que acabou revelando do que se tratava).

Acredite se puder

Era hora da segunda parte do experimento: posts de causar inveja e ao mesmo tempo absurdos, ou seja, a vida de Claude era exageradamente perfeita, algo quase caricato. Mas eu queria saber quantas pessoas acreditariam naquilo. Várias pessoas curtiram os posts. Chamei algumas dessas pessoas, expliquei o experimento e pedi que respondessem a um breve questionário.

  1. 42% não desconfiaram nem um pouco que os posts pudessem ser falsos.

  2. 12% pensaram que os posts fossem reais mas, talvez, exagerados.

  3. 36% não acreditaram no post, mas curtiram por achar graça.

  4. 10% não pararam para prestar atenção e curtiram de forma “automática”.

É de assustar que uma quantidade tão grande de pessoas acredita até nos posts mais absurdos.


Homens e mulheres

Na última parte do experimento eu mudei o nome do Claude para uma inicial e o sobrenome, permitindo que o personagem possa ser homem ou mulher. Assim experimentei com fotos de pessoas feias e pessoas bonitas, homens e mulheres.

O resultado, claro, já é lugar comum: uma mulher bonita com decote atraiu os mais diversos tipos de homens em busca de um rabo de saia. Já o personagem masculino, o atraente “Claude”, causou um efeito muito interessante: sempre que uma mulher o adicionava em sua lista de amigos, quase que imediatamente, várias de suas amigas mulheres enviavam pedido de amizade, criando um crescimento exponencial de amigas mulheres. Porém, quando um homem adicionava Claude à sua lista de amigos, poucas ou nenhuma das amigas mulheres dele adicionavam o Claude.

 

No Facebook, quase tudo é exagerado, cheio de meias verdades ou completas mentiras. E enquanto acreditarmos em tudo que as redes sociais nos passam, nos veremos como fracassados ou como maus (depende do tipo de post sensacionalista ou falso).


Talvez seja hora de vivermos nossas vidas imperfeitas e sorrir dessas imperfeições. Isso seria muito melhor do que fingir o sorriso da hora da selfie para o Facebook para que todos pensem que sua vida é perfeita.


Sabe aquela falácia “A revolução não será televisionada”? Mude para “O verdadeiro sorriso não será postado”.

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