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  • Foto do escritorChristian Gurtner

Somália


A turbulenta história do fustigado país do leste Africano.

Esse episódio faz parte dos fantásticos podcasts mais antigos do Escriba Cafe que, por questões de direitos autorais, não estão disponíveis para download nem pelo feed, Spotify, etc, (nem mesmo pelo player fixo no site) sendo possível ouví-los somente pelo player no respectivo post.

FICHA TÉCNICA

Roteiro, Produção e narração: Christian Gurtner

BIBLIOGRAFIA

  1. VARIOUS. Somalia : Country Studies — Federal Research Division, Library of Congress.. Disponível em: < http://lcweb2.loc.gov/frd/cs/sotoc.html >. Acesso em: 20/10/2013

TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO

(As transcrições dos episódios são publicadas diretamente do roteiro, sem revisão, podendo haver ainda erros ortográficos/gramaticais e, assim, pedimos que marquem os erros e deixem uma nota para que possamos corrigí-los)


Ler a transcrição completa do episódio


A construção de um paraíso

No primeiro milênio antes de Cristo, na região conhecida como chifre da África, reza a lenda que viveu ali um povo de alta estatura e muito belo. Foram citados por Heródoto e outros autores e, devido a sobrenatural expectativa de vida desse povo, que vivia normalmente até aos 120 anos, foram chamados de Macrobianos, e que provavelmente foram os antepassados da população do Chifre da África.

Lenda ou não, o fato é que mais tarde, algumas pequenas cidades litorâneas já haviam sido erguidas na região. O povo que ocupava essa área, conhecido como Samaale, havia migrado do sul da Etiópia e, apesar de sua cultura nômade, estava aos poucos se fixando pela região, até que no ano 100 a.C. Todo o Chifre da África já estava ocupado pelos Samaale.

Em contato com oceano Índico e o Mar Vermelho, os Samaale haviam instituído um lucrativo comércio na região, desenvolvendo-se também nos mares e já prosperava ainda na antigüidade.

A partir do século VIII d.C. começaram a se estabelecer os imigrantes persas e árabes, atraídos pelo lucrativo comérciopor toda costa e fronteiras, junto, veio também a religião islâmica que se disseminou entre os Samaale.

Somalia Medieval

Na idade média a Somália já era um dos mais importantes centros comerciais da região. Através do Empório de Saylac, no Golfo do Aden, era o principal fornecedor de café, ouro, penas e escravos para o Oriente Médio, China e Índia.

Guerras santas

A influência islâmica na Somália tornou-se tão forte, que, junto com o surgimento de sistemas centralizados de estados começaram a ser instituídos sultanatos na região.

A partir do século XV se destaca o Sultanato de Adal, cujo poder e prosperidade brilhava no Chifre da África. Adal possuía arquitetura sofisticada, castelos, um povo cosmopólita, grandes mesquitas e um ensino superior.

Contudo, havia um problema: os Etíopes. Durante séculos houve uma certa boa convivência entre o Etíopes com seucristianismo e os islâmicos do Chifre da África.

Mas a paz acabou no reino do Negus Yeshaq, da Etiópia. Ainda no início do século XV as forças imperialistas de Yeshaq começaram a saquear instalações muçulmanas no leste da cidade de Harer. Instituiu-se então que os Muçulmanos eram inimigos de Deus.

Em 1415 os etíopes invadiram o reino muçulmano de Ifat. Eles aniquilaram os exércitos muçulmanos e seguiram o rei Saad ad Din até a ilha na costa de Saylac, onde o executaram.

Yeshaq obrigou os muçulmanos e pagarem tributos e também a comporem um hino de ação de graças pela sua vitória.

Nesse hino aparece pela primeira vez, em form escrita, a palavra “Somali”.

O contra ataque muçulmano

No início do Século XVI os muçulmanos já estavam reerguidos e preparados para sua vingança. Invadiram a Etiópia a partir do leste, marchando até o centro e dizimando a população etíope.

Liderados pelo carismático Imam Ahmad Guray, os muçulmanos usaram táticas “terra arrasada” ou seja, matavam e destruíam tudo de forma que não fosse possível a área voltar a ser habitada tão cedo.

A Etiópia só não foi completamente aniquilada porque, por acaso, passava por ali a expedição de Pedro da Gama, filho de Vasco da Gama, que tomou o partido dos cristãos e, numa força unificada com os etíopes, e utilizando canhões, conseguiu repelir os muçulmanos e preservar o que ainda não havia sido destruído.

O Imam Ahmad Guray morreu durante as batalhas com os portugueses, que ainda fariam várias outras investidas com o passar do tempo.

Primeiro declínio

Os diversos problemas provindos das guerras e bem como fatores econômicos, faziam com que o antes poderoso Sultanato de Adal degradasse lentamente, até que ficasse quase em ruínas.

Em contraponto, Mogadishu, uma das cidades mais antigas da Somalia, prosperava como nunca. Nos séculos dezessete e dezoito, resistiu com sucesso às depredações portuguesas através de ataques na costa leste.

Em 1728 o último forte português no leste da África foi desativado, criando na Somália uma época relativa de paz.

Colonização

Toda a prosperidade e evolução da Somália era agora cobiçada e ameaçada por um inimigo muito mais ambicioso: a Europa.

No século XIX, a busca, principalmente por alimentos por parte dos Europeus levou a uma série de investidas na África para que colônias fossem estabelecidas.A Somália após algumas jogadas políticas e militares foi pela primeira vez em séculos, divida. Uma das regiões mais culturalmente homogêneas da África fora então dividida entre Italianos, Britânicos, Franceses e Etíopes, cada país colonizava então uma Somalilândia.

Os tempos de paz da Somália estavam no fim, pois eles não iriam ceder tão facilmente.

No estado Dervish, se ergue o líderMuhammad Abdullah Hassan, que junto com seu exército apoiado por outros países árabes, começou uma das maiores guerras de resistência colonial da história.

Apelidado de Mad Mullah, ou mulá louco, Hassan repeliu os Britânicos por quatro vezes. Levando a bandeira do Jihad, ele pregava que os infiéis britânicos e outros cristãos haviam roubado a cultura e as crianças da Somália, e seu objetivo era conquistar a independência unificando todo o país novamente.

Mas em 1920 os britânicos contavam então com uma nova máquina de guerra que nem o mais bravo guerreiro da época poderia enfrentar: aviões.

O estado Dervish foi bombardeado e sucumbiu na mão dos britânicos. Que transformaram todas suas terras em protetorados.

Segunda Guerra

Em 1939 estoura a segunda grande guerra na Europa. Com vários países europeus inimigos com colônias na África, a guerra também se estende para o velho continente.

No ano de 1940 os italianos avançaram através da Etiópia para tomar a Somalilândia Britânica. Em 10 dias eles conseguiram tomar a cidade de Berbera.

Mas em janeiro de 1941 os britânicos avançam do Quênia para retomar as áreas conquistadas pelos italianos. Em um mês eles tomaram toda a Somalilandia Italiana, e em março já haviam recuperado a Somalilandia Britânica com uma invasão pelo mar.

Época de ouro

Com o término da segunda guerra,uma comissão dos países vencedores tentou resolver a questão das colônias somali, e numa decisão polêmica, cederam a Somalilandia Etíope, que se situava na região de Ogaden para a Etiópia.

A Itália também recebeu sua parcela, com uma concessão de 10 anos até que a Somália, então, teria sua independência.

Mas o SYL, primeiro e poderoso partido político somaliano, queria a independência de imediato. O que não aconteceu.

No entanto, com dinheiro investido pela ONU e pela Itália, os anos 50 foram a época de ouro da Somália, que revivia agora então os bons tempos de prosperidade.

Em 1960, finalmente chegou a independência, e o poder político foi devolvido aos somalianos.

Tudo indica que esse era o final feliz que toda civilização deseja.

Mas não.

Instabilidade

O povo somali era culturalmente político e participativo. Isso num país que ainda era divido por línguas e até moedas diferentes, com diversos clans e objetivos diferentes, poderia não ser muito interessante.

A somalia estava virtualmente dividida entre Somália do Sul e Somália do Norte.

Para aumentar a tensão, a questão de Ogaden nas mãos dos Etíopes ainda estava engasgado na garganta dos somalis.

Surgiu o Pan-Somalismo, uma ideologia de unificação étnica de todos os somalis sobre a mesma bandeira, resultando em um curto conflito de insurgentes contra a Etiópia. Em menos de um ano um cessar fogo foi assinado.

Os somalianos cortavam aos poucos seus laços com os Europeus e começaram a se aproximar da União Soviética e da China, enviando até tropas para serem treinadas com os soviéticos,o que resultou em idéias marxistas rondando os militares somalis.

A tensão política entre as Somálias do Sul e do Norte crescia cada vez mais e a hostilidade contra os Estados Unidos, apoiador da Etiópia, também.

Aos poucos a democracia somali começava a ruir.

Em 1967 um presidente eleito não foi reconhecido pelos clãs e o voto secreto foi extinto.

Iniciava uma época de deserção política, traição, corrupção e manipulação.O SYL e os partidos coligados, que tinham praticamente todas as cadeiras no congresso, perderam numa eleição dois terços delas, o que rapidamente foi acusado de fraude eleitoral. Mas o problema maior com a grade revolta dos partidários, era que o exército Somali era um grande apoiado do partido.

Um golpe de estado era iminente.

O Golpe

Em 15 de outubro de 1969 o presidente Abdirashid Ali Shermarke foi assassinado por um de seus guarda-costas, com a infame desculpa de que fora malgrado por ele.

Um novo presidente fora indicado pelo primeiro ministro, mas devido a desconfiança que caía sobre o governo corrupto e com a especulação de compras de votos, os militares foram contra o novo presidente e, assim que viram que o congresso iria apoiar a escolha do primeiro ministro, o gatilho foi acionado.

Em 21 de outubro de 1969 acontece o golpe militar.

Com um regime ditatorial imposto, o objetivo do governo militar era acabar com o nepotismo, a corrupção e o tribalismo.

Investiu-se inicialmente em educação, de forma a retomar a cultura e a língua somali, unificando novamente o povo.

Em 1976 o poder foi oficialmente cedido para o Partido Revolucionário Socialista.

Mas ainda havia um assunto pendente que há muito os militares ansiavam.

A guerra de Ogaden

Em 1977 desencadeia a tão esperada guerra contra a Etiópia para recuperar Ogaden. As primeira batalhas foram favoráveis e os Somalis conseguiram fazer os Etíopes recuar.

Mas um golpe pelas costas mudaria o rumo da guerra. A união soviética deixou de apoiar a Somália e voltou-se para Etiópia, fornecendo armas e apoio político. A medida soviética foi seguida por Cuba e pela Coréia do Norte.

Em menos de um ano a Somália perde várias batalhas e os etíopes recuperam Ogaden.

A queda

O povo não se conformou com a perda de Ogaden e viram que o presidente não seria capaz de tomá-la. Grupos iniciaram revoltas em várias partes da Somália, depredando e tomando cidades. O difícil caminho da derrota foi espinhoso demais.

O exército havia perdido milhares de homens e estava moralmente falido. A economia somali também não ia bem após os gastos com a guerra, somando tudo issoas secas da década de 80, a fome começou a arrasar várias regiões.

Em 1988 as tropas somalis são retiradas da Etiópia.

Uma grande crise política tomou conta da Somália. E logo reataram laços com o Ocidente, recebendo ajuda militar e econômica dos Estados Unidos e outros países aliados. Mas a corrupção e a crise política impediam o progresso do país.

Ainda com favoritismos e disputas entre o norte e o sul e uma política devastada, várias guerrilhas surgiam pelas cidades.

O governo atual perdia cada vez mais o apoio e o controle das regiões somalis. Políticas de genocídio contra linhagens étnicas somadas ao término da Guerra Fria, fez o regime perder o apoio dos Estados Unidos. Rebeliões cresciam cada vez mais.

Não havia mais saída. Em 1991 o governo cai, dando início a uma guerra civil.

A guerra Civil

Ainda no ano 1991, a região noroeste da Somália declarou independência, fundando a Somalilândia. Apesar de nenhum governo no mundo reconhecer a nação, ela era relativamente mais estável e pacífica que as demais áreas.

No entanto a Somália se degradava cada vez mais, várias cidades estavam em ruínas e a fome dizimava a população. Em 1992 a ONU organiza forças de paz para garantir a entrega de ajuda humanitária no país.

Mas várias milícias se voltaram contra a presença estrangeira no país. As tropas da ONU foram atacadas e as perdas humanas cresciam cada dia mais.

Na batalha de Mogadiscío, um helicóptero Black Hawk americano é abatido e vários soldados mortos.

Em 1995 a ONU retira as tropas do país enquanto outras regiões da Somália declaram independência.

O país vivia uma espécie de anarquia. A fome e a morte eram presença constante em quase todo lugar.

Nas cidades litorâneas, muitos ainda conseguiam tirar seu pouco sustento do mar. Sem muita perspectiva, esses pescadores se viram ameaçados pela presença de navios pesqueiros de outros países que praticavam a pesca ilegal na região. Muitos diziam que a presença estrangeira nos mares somalis estava acabando com a pesca.

Começavam a surgir, então, os primeiros piratas somalis.

Piratas Somalis

Inicialmente o objetivo dos ditos piratas era claro: retomar o controle dos mares somalisantes que milicianos ou estrangeiros o fizessem.

Mas a pirataria cessou temporariamente quando em 2006a União das Cortes Islâmicassubiu ao poder.

A União das Cortes Islâmicas gradativamente conquistava o controle de mais e mais áreas da Somália. Investiu contra a Somalilândia e outros estados auto-proclamados que contavam com a Etiópia como aliada. Eclodiu então em 2006 mais uma guerra que acabou coma derrota da União das Cortes Islâmicas.

Apesar de mostrar um relativo progresso, a Somália ainda vive a instabilidade, a pobreza e a guerrilha através das facções criadas a partir da derrota da União das Cortes Islâmicas.

A pirataria também logo voltou e, dessa vez, com força total. O que antes eram só pescadores numa suposta forma de proteger o seu sustento, agora era uma atividade gananciosa que contava também com o apoio e patrocínio de chefes militares.

A pirataria somali consiste basicamente no sequestro de navios cargueiros, e as empresas, por precisarem liberar rapidamente as valiosas cargas sempre pagam os resgates.

Mas o prejuízo fica cada dia maior, o que fez com que navios militares e de empresas privadas de segurança rondassem em forte presença os mares somalis, ajudando a diminuir drasticamente os sequestros que, contudo, ainda ocorrem.

Capitão Phillips

8 de Abril de 2009

O navio cargueiro Maersk Alabama navegava a sudeste da cidade portuária de Eyl, com uma tripulação de 20 pessoas sob o comando do Capitão Richard Phillips.

O radar então alerta a presença de uma embarcação se aproximando em alta velocidade.

Naquela região, qualquer sinal no radar é um alerta vermelho e a tripulação se preparou para o pior.

Uma embarcação de piratas somalis logo se emparelhou com o navio e tentaram subir sob forte pressão, já que o piloto do Maersk Alabama começou a virar o leme de um lado para o outro, o que acabou por afundar a pequena embarcação pirata. Mas já era tarde demais. Os piratas já estavam a bordo…

O resto da história vocês acompanham nos cinemas, com o filme Capitão Phillips.

Posfácio

A Somália é hoje o que restou de toda guerra, usurpação religiosa, cultural e material. Apesar de estar gradativamente se reerguendo, é uma país pobre, em ruínas. Ruínas que contam uma história milenar. De riqueza e de pobreza, de alegria e sofrimento, mas acima de tudo, contam uma terrível história sobre nós, humanos.

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