Não faz muito tempo — ou faz, não sei dizer, já que ainda me pego no erro de que os anos 80 foram há 20 anos, mas, pasmem, foi há 45. Enfim, foi ali, nos anos 90, que eu, um adolescente, tinha na biblioteca de casa algo que poderia ser considerado a internet analógica: uma coleção da Barsa.
A Barsa foi a mais conhecida enciclopédia do Brasil. Idealizada por Dorita Barret e seu marido, Alfredo de Almeida Sá.
Barret + Sá. BarSa.
Dorita era uma das herdeiras da família responsável pela Encyclopaedia Britannica, a enciclopédia mais famosa do mundo, que supervisionou a criação da Barsa. Isso porque a Barsa era composta, em grande parte, por traduções dos verbetes da Encyclopaedia Britannica, mas também continha conteúdo 100% brasileiro.
Eu passava horas, muitas horas, "navegando" pelas páginas desses livros. Passei a conhecer boa parte do mundo através de verbetes até então desconhecidos. Muitas vezes eu abria uma página aleatória e descobria algo novo sobre o mundo, outras eu folheava rapidamente até algo me chamar a atenção e, novamente, descobrir algo.
Mas também havia os trabalhos escolares, nos quais eu tinha que procurar algo específico (e não havia campo de busca): era necessário pegar o livro que abrangia a letra inicial do tema, por exemplo, "Livro 3, verbetes de E a F", e lá procurar, também por ordem alfabética, a história de Florença.
Naquela época, o mundo parecia muito maior, e as enciclopédias nos permitiam explorar muitas partes desconhecidas.
A Enciclopédia
As enciclopédias eram o ápice do conhecimento nos lares, a principal e, na maioria das vezes, a única fonte de referências sobre tudo.
E foi exatamente com esse pensamento que a enciclopédia foi criada. Esse tipo de obra existe há mais de dois mil anos, ou seja, obras nas quais as pessoas tentavam reunir o cada vez mais vasto conhecimento humano.
O termo "enciclopédia" vem do grego "enkyklios paideia", algo como "educação geral" ou "conhecimento geral". As enciclopédias tiveram várias facetas ao longo da história, popularizando-se da forma que conhecemos hoje por meio do francês Dennis Diderot, com seu Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, de 1751.
"A finalidade de uma enciclopédia é reunir o conhecimento espalhado pelo globo; expor seu sistema geral aos homens com quem vivemos e transmiti-lo àqueles que virão depois de nós, para que o trabalho dos séculos anteriores não se torne inútil para os séculos futuros; e para que nossos descendentes, tornando-se mais instruídos, se tornem ao mesmo tempo mais virtuosos e felizes, e para que não morramos sem ter prestado um serviço à raça humana nos anos futuros." - Diderot
Mas o mundo girou. Lembro quando, junto com meu primeiro PC, veio um CD da Encarta, a enciclopédia digital. Aquilo foi uma revolução, já que, além dos textos, era possível ver fotos coloridas e vídeos dos verbetes.
Mal sabia eu que a revolução ainda estava por vir.
A internet começou a se tornar a principal fonte de conhecimento. Em 2001, surge a Wikipedia, e o fim das enciclopédias impressas, que já estavam sumindo há muito tempo, era iminente.
Hoje, como não canso de repetir, temos absolutamente todo o conhecimento humano na palma de nossas mãos (literalmente). E, ainda sim, as pessoas estão cada vez mais ignorantes, pois na palma de nossas mãos também está o infinito fornecimento de entretenimento fácil e passivo. Um verbete hoje não tem chance contra um vídeo rápido, feito de forma porca, com conteúdo imoral ou estúpido.
Tanto a Barsa quanto a Encyclopaedia Britannica tentaram se adaptar aos novos tempos, com versões online de conteúdo verificado e sistemas de assinatura, mas nunca mais serão um totem erguido como ídolo do conhecimento nas salas e bibliotecas dos lares.
(Sim, hipsters, ainda é possível comprar versões impressas sob demanda.)