E, de repente, sem nenhum aviso prévio, chega a morte - e se há esse aviso, o próprio aviso também é repentino.- Por mais que tenhamos a certeza da morte - a única certeza humana - ela sempre, de alguma forma, nos surpreende.
Alguns tentam fugir dela, alguns a buscam, outros - e esses são a maioria - simplesmente a ignoram.
Mas ela chega. Quer queiramos ou não, ela chega. Quer nos cuidemos ou não, ela chega. Quer aproveitemos cada momento ou guardemos tudo para um momento especial, ela chega.
E então, simplesmente, partimos.
Para onde? Para alguns, uma nova vida em um paraíso. Para outros, para uma nova vida em um novo corpo, para outros ainda, é o oblivion, o descanso absoluto, o fim de tudo.
Mas a dor é a de quem é deixado pra trás, de forma voluntária ou involuntária. Nos deparamos com aquela ferramenta que foi deixada na mesa para ser usada mais tarde. Os planos que tinham sido feitos para a viagem da próxima semana. O trabalho que iria ser terminado em breve. As fotos organizadas numa pasta do computador. A maleta pronta para uma reunião próxima, um bolo no forno, os remédios separados para a manhã seguinte, os emails e mensagens das pessoas que não sabem que o destinatário já não vive…
Tudo isso nos causa a angústia de que a vida foi interrompida e todos os planos e afazeres também. Mas por que nos angustiamos?
Pensamos se, por acaso, aqueles que se foram sentiram dor ao partir, se sofreram de alguma forma, se sentiram medo, se choraram, se enfrentaram o desconhecido momento inevitável com certo desespero. Por que isso é uma preocupação agora?
Nada disso importa. Não há mais medo, sofrimento, desespero ou dor. Só para quem fica, e tenta, de alguma forma, dar sentido para a partida, culpar alguém ou a si próprio, sofrer pela hipótese do sofrimento daquele que se foi, da dúvida se viveu uma boa vida.
Tudo isso é nonsense. Nem mesmo a lembrança de qualquer sofrimento ou angústia existe mais naqueles que se foram.
A morte, por fim, só diz respeito àqueles que ficaram. Os que se foram, estão livres de todo o mal. Para eles não há alívio, porque não se lembram de dor. Não há choro porque não se lembram de tristeza. Não há sentimento de tarefa interrompida porque não se lembram mais de tarefas e não se importam com mais nada que diga respeito ao mundo.
Eles agora estão exatamente onde todos queremos estar: livres dos anseios mundanos. E isso é invejável.
Shakespeare já sabia disso. Em Cimbelino, na cena II do quarto ato, temos palavras para um falecido, que, na verdade, podem ser consideradas destinadas para mostrar para quem fica, que nada mais importa para aqueles que partiram. Segue minha livre tradução:
"Não temas mais o calor do sol Nem a ira do inverno furioso Tu cumpriste a tua tarefa mundana E já descansas sorridente. As moças e moços, assim como os limpadores de chaminés: tudo é poeira Não temas mais a carranca dos poderosos; Você já passou pelo golpe do tirano; Não se preocupe mais em vestir e comer; Já estás livre dos dolorosos apetites humanos. Os ricos, a ciência, todos os bons e todos os maus: tudo é poeira. Não temas mais o relâmpago, Nem a temida pedra do trovão; Não temas a calúnia, nem a censura precipitada; Já acabaste com a alegria e a tristeza: Todos os jovens e todos os amantes: todos, tudo agora é poeira. Nenhum encanto te fará mal de um mago ou bruxa horrenda Nenhum espectro a ti se prenderá Nenhuma doença mais lhe afligirá Que longo dure seu nome E renomado seja seu túmulo."
Padrasto, responsável por, pelo menos, metade da minha playlist de rock, por meu conhecimento cervejeiro - e de fazer cerveja - , por cuidar de minha mãe por 30 anos e que não gostava do Natal, ou, em suas palavras, “fuckin christmas”. Apesar de todos chorarem sua partida, se há vida após a morte, certamente está com seu peculiar humor negro, soltando alguma de suas máximas sobre os blöde chorões e mandando todos beberem cerveja.
Texto marcante, Christian! Meus sentimentos...
Mr. Pfeifer não gostava do Natal!!! Pelo menos tinha a desculpa de sua religião.
Sinceros pêsames.